O que mais nos chama atenção quando nos deparamos com as mais diversas filosofias de vida criadas pela modernidade, não é a sua eficácia em lidar com nossas crescentes demandas, mas sim o quão são simplistas em suas formulações. A tendência predominante na exposição dessas ideologias é a de forçar um reducionismo extremo. Atente-se para o feminismo por um instante. Inicialmente ele se apresenta como sendo uma análise crítica, exaustiva e sistemática de como os homens oprimem o chamado sexo frágil. Porém, no fim das contas, principalmente após adentrar nas camadas mais populares, nos deparamos com dizeres tais como: “todo homem é um abusador em potencial”, “todo homem trai” e “mate todos os homens” (frase escrita em um cartaz em uma manifestação no dia internacional da mulher).
E é assim que se inicia a decadência da qualidade do pensamento filosófico, sociológico, psicológico e até mesmo teológico, de nossos dias.
Para a surpresa de zero pessoas, e tristeza de incontáveis outras, não é apenas o feminismo que sofre dessa doença reducionista. A Red Pill, Black Pill e MGTOW passam por agudas simplificações antes de serem amplamente disseminadas, o que é óbvio por dois grandes motivos. Primeiro, já que a base teórica destas é multidisciplinar, esperar que o cidadão médio entre em contato com psicologia evolutiva, biologia, filosofia, teologia, ética e economia para começar a entendê-las, é ser otimista demais. Segundo, quando são revelados os pressupostos e conclusões delas, é quase impossível que não se ofenda todo o atual sistema estabelecido. Depois de alguém ouvir que “o homem deve ser o líder”, “mulheres devem casar virgens” e “o patriarcado é a salvação da sociedade”, esperarmos que ainda alguém sinta-se à vontade para estudar mais profundamente essas ideias é uma ilusão. Então sofremos com o cabo de guerra entre esperar que as pessoas invistam várias horas de estudos para começar a pensar sobre a machosfera, contra a busca por rápido entendimento e divulgação das ideias mesmo que elas sejam reduzidas ao extremo e embrulhadas em pacotes potencialmente ofensivos.
Qual o resultado disso tudo? Temos dois bem simples: (1) bases teóricas pouco acessíveis, desestimulando o estudo e investigação, que por sua vez geram a necessidade de simplificação para serem compartilhadas; (2) pessoas que concordam e adotam as ideias simplificadas demais deixando-as com um entendimento muito raso e incompleto. Basicamente, somos obrigados a fazer parte de uma machosfera que tem uma minoria extremamente bem informada, porém difusa, e uma maioria com pouquíssimo conhecimento repetindo frases prontas e sem qualquer preparação para lidar com desafios mais complexos.
O que foi? Está esperando que eu seja o cavaleiro branco de armadura reluzente que vem para salvar o sistema teórico da machosfera? Sinto muito lhe desapontar, mas isso seria um esforço imenso e eu, com toda a certeza, não sou inteligente o bastante para escrever um tratado de mil páginas para explicar o arcabouço teórico que precisamos. Entretanto, o que posso oferecer é uma análise, nem tão complexa, nem tão simplificada, dos pressupostos que servem de base para as ideologias masculinistas. Na verdade, vou me atentar exclusivamente na MGTOW, e isso porque ela é a que mais sofre por ser mal interpretada e por ser a mais descentralizada teoricamente.
O que vem a seguir é apenas uma análise descritiva sem julgamento de valor.
Vamos começar do início propondo uma definição: MGTOW, sigla do inglês para “Homens Seguindo Seu Próprio Caminho”, se trata de uma proposta de estilo de vida para homens que reconhece que o atual sistema social está totalmente enviesado para prejudicá-los financeira e emocionalmente, encarando-os apenas como ferramentas para o bem-estar e interesses das mulheres. Sendo assim, propõe que os homens abandonem, controlem ou restrinjam seu imperativo sexual para que este não interfira em seu bom raciocínio e tomada de decisão, deixando-os mais aptos a levar uma vida mais livre e empenhada em alcançar a máxima satisfação individual e desenvolvimento pessoal. Na esfera pública, afirma que o homem deve ser o centro do arranjo social para o melhor desenvolvimento civilizacional.
RACIONALISMO
O pensamento MGTOW é profundamente racionalista. Qualquer circunstância que atrapalhe a clareza de pensamento deve ser combatida e abandonada. Há um esforço tremendo para que se possa compreender o mundo da maneira mais precisa e realista possível. Todas as afirmações acerca da realidade têm de ser derivadas de critérios objetivos e observações detalhadas. O pensamento científico e o uso da lógica sempre têm maior peso para o MGTOW. Esforça-se para que as emoções não afetem o pensamento do homem, afinal, além de atrapalhar o processo racional, “pensar com as emoções” ou ser “levado pelas emoções” são características intrinsecamente femininas que levaram aos prejuízos sociais de nossa era.
MATERIALISMO
Para o MGTOW, o mundo deve ser antropocêntrico, a saber, ter a figura masculina como líder e direcionador da sociedade. A justificativa para isso está no desenvolvimento biológico-evolutivo da espécie humana e nas implicações sociológicas de ênfase patriarcal, ou seja, a constituição biológica dos seres humanos selecionou o sexo masculino como o eixo central da preservação e propagação da espécie. Corroborando com isso, tem-se a superioridade, em número e qualidade, das sociedades patriarcais no decorrer da história quando comparadas com os raros exemplos de matriarcados. Assim, a análise materialista-evolutiva-darwinista é a predominante no pensamento MGTOW.
UTILITARISMO
A lógica aqui é bem simples: se o homem foi o mais bem preparado pelo processo evolutivo, tendo assim a maior habilidade no uso da razão, logo o homem é o melhor candidato a definir o que é melhor para ele, para os indivíduos debaixo de sua autoridade e, em última análise, de toda a sociedade. Mas como o homem faz esses julgamentos? Seguindo aquilo que, pelo uso da razão, ele mesmo acredita que vá resultar em maior utilidade/felicidade. Sendo o homem então o responsável em estabelecer os objetivos, meios, métodos e justificativas para maximização de satisfação pessoal e social.
ATEÍSMO
A crença em um Deus, seja de qualquer natureza, é impossível no sistema MGTOW. Na verdade, é simples chegarmos a essa conclusão. Caso o homem reconheça a existência de um Deus, não lhe sobraria outra alternativa a não ser usar a razão para ir até o encontro deste Deus. Sendo Deus, por definição, superior ao homem, caberia então à divindade assumir a posição de líder e soberano sobre tudo aquilo que envolve a humanidade e a sociedade. O homem então, assumindo a existência de Deus, perderia o trono e consequentemente o privilégio de estabelecer os objetivos, meios, métodos e justificativas para maximização da utilidade/felicidade/satisfação individuais e sociais. Debaixo do paradigma MGTOW, seria então Deus o seu único rival à altura, tomando a posição do homem como centro do mundo. Sairíamos de um antropocentrismo para um teocentrismo. Se Deus existir seria inconcebível para racionalidade MGTOW permitir que o homem continue o dono da autoridade máxima. Dessa forma, não há espaço nas formulações MGTOW o reconhecimento da realidade deu um ser divino. Consequentemente, para preservar suas ideias, o movimento MGTOW precisa, necessariamente, ser ateu.
Uma outra via que pode ser utilizada para deixar claro que o movimento não é compatível com a crença em um Deus, é o fato de que a superioridade relativa entre homem e mulher seria o resultado do processo evolutivo da espécie. Caso Deus exista, a relação entre homem e mulher não seria mais estabelecida por um processo natural, material e evolutivo, mas sim pelo decreto desse Deus sobre aquilo que ele criara. De maneira simplificada, seria uma contradição em termos alguém compactuar com movimento MGTOW e, ao mesmo tempo, afirmar a fé em um Deus.
Moral e Ética
Antes de discorrer sobre os balizamentos morais e éticos do MGTOW, apresentarei uma breve definição de ambos.
Ética: comportamentos, ações, atitudes consideradas erradas/certas, boas/más em uma sociedade. Normalmente, são as ações antiéticas que são alvos de penalidades jurídicas. A ética origina-se da moral.
Moral: comportamentos, ações, atitudes consideradas erradas/certas, boas/más em uma sociedade somados aos valores, princípios e expectativas dos indivíduos na participação social. A moral tece julgamento de valor sobre todas as ações e crenças dos indivíduos, porém nem todos os comportamentos considerados como errados ou maus são elevados ao patamar de padrão ético e, portanto, objeto de sanção jurídica. Nem toda imoralidade é antiética, mas todo comportamento antiético é considerado imoral. Vale o lembrete de que essa relação pode mudar dependendo dos valores, princípios e lógica usados no estabelecimento dos padrões morais e éticos de cada sociedade e indivíduos.
ÉTICA MGTOW
Em sua gênese, o movimento MGTOW empresta grande parte de suas bases epistêmicas do movimento libertário rothbardiano. Assim sendo, pelo menos em seus primeiros anos, seu modelo ético era individualista e objetivista, tendo como guia o princípio da não agressão. Hoje, porém, é extremamente difícil reconhecer uma ética oficialmente MGTOW, mas ainda há indícios que a posição individualista ainda seja a mais aceita, porém, agora baseada nos princípios da direita tradicionalista.
MORAL MGTOW
É no campo da moral onde o movimento deposita a maioria de suas conclusões. É nesse campo onde moram as maiores controvérsias, tais como: “mulheres são infantis/incompetentes/fracas/incapazes”, “o homem é superior”, “o homem é quem deve liderar”, etc. O que nos interessa aqui é reconhecer que, sendo o homem a medida última e suprema de tudo o que há no mundo, agindo como juiz e executor na esfera individual e coletiva, tendo o direito de assim o ser garantido pela evolução e sancionado pelo histórico patriarcal na história humana, aquilo o que será considerado como bom ou mau, moral ou imoral, é nada mais do que aquilo que agradar ao homem. Suas percepções e julgamentos são o que determinam aquilo o que é desejável na sociedade. Suas preferências ditam aquilo que deve ser exaltado ou desincentivado. Honra e vergonha, belo ou feio, agradável ou desagradável, de bom ou mau gosto, são produtos do que o homem assim o quiser. Em resumo, a moral MGTOW é subjetivista, cabendo a cada homem decidir o que é moral e podendo variar diametralmente de homem para homem.
FECHAMENTO
Não foi objetivo desta análise apresentar exaustivamente todos os tópicos que podem ser discutidos dentro do paradigma MGTOW, muito menos fazer quaisquer julgamentos sobre a validade ou qualidade deste movimento ou seus membros. Vale relembrar que o MGTOW não é monolítico, embarcando várias abordagens diferentes sobre assuntos diferentes. O esforço deste texto foi apenas em evidenciar as bases epistêmicas, lógicas, éticas e morais que interligam a maioria daqueles que se apresentam como MGTOW. Assuntos mais práticos como casamento, sexo, trabalho, dinheiro, política, etc., são tratados pela MGTOW e poderão ser discutidos em textos posteriores.
Usuário
Comentários
Leitura obrigatória para quem quer entender os desafios contemporâneos em geral.
Conteúdo de qualidade sobre geral, mas os gráficos poderiam ser mais explicativos.
Em resposta ao comentário de Igor Santos Xavier:
A análise de mediação com bootstraping fornece robustez aos achados sobre mecanismos causais em 'Pressupostos MGTOW'.
Fiquei com dúvida na análise de geral - como foram controladas as variáveis de confusão?
Alguém conhece aplicações práticas desses achados sobre geral em políticas públicas?
Alguém conhece aplicações práticas desses achados sobre geral em políticas públicas?
Em resposta ao comentário de Alphonsus de Guimaraens Neto:
A argumentação sobre 'Pressupostos MGTOW' é convincente, mas alguns contra-argumentos mereceriam mais espaço.
O nível de detalhamento sobre 'Pressupostos MGTOW' é impressionante. 👌
A análise de clusters revelou padrões interessantes não capturados pelas análises univariadas sobre geral.
Leitura obrigatória para quem quer entender os desafios contemporâneos em geral.
Em resposta ao comentário de Igor Santos Xavier:
Pesquisa importante sobre 'Pressupostos MGTOW', mas a discussão dos resultados poderia ser mais aprofundada.
Raramente leio algo tão completo sobre geral. Meus parabéns!
Em resposta ao comentário de Leonardo Campos Freitas:
Abordagem interessante sobre geral, mas a amostra parece enviesada para um perfil específico.
Metodologia adequada para estudar geral, mas os critérios de exclusão poderiam ser melhor explicados.
Leitura obrigatória para quem quer entender os desafios contemporâneos em geral.
O artigo sobre 'Pressupostos MGTOW' consegue ser denso em conteúdo mas fluido na leitura. Habilidade rara!
O nível de detalhamento sobre 'Pressupostos MGTOW' é impressionante. 👌
Em resposta ao comentário de Fernanda Cristina Andrade:
Fiquei interessado na metodologia qualitativa sobre 'Pressupostos MGTOW' - como foi feita a saturação teórica?
Em resposta ao comentário de Rubem Braga Filho:
Conteúdo relevante sobre geral, porém a formatação das tabelas dificulta um pouco a leitura.
Em resposta ao comentário de Domingos Carvalho Neto:
O uso do método Delphi para validação dos instrumentos em geral foi escolha metodológica acertada.
Alguém conhece aplicações práticas desses achados sobre geral em políticas públicas?
Em resposta ao comentário de Manuel Antônio de Almeida:
Referências atualizadas e argumentação sólida sobre 'Pressupostos MGTOW'. Artigo acadêmico de primeira!
O coeficiente alfa de Cronbach acima de 0.8 para todas as escalas sobre geral indica boa confiabilidade.
Em resposta ao comentário de Caio Vinícius Dutra:
Leitura obrigatória para quem quer entender os desafios contemporâneos em geral.
Em resposta ao comentário de Caio Vinícius Dutra:
O nível de detalhamento sobre 'Pressupostos MGTOW' é impressionante. 👌
Em resposta ao comentário de Otávio César Nogueira:
A maneira como relacionaram teoria e prática em 'Pressupostos MGTOW' foi simplesmente brilhante.
Ótima contribuição sobre 'Pressupostos MGTOW'! Como esses resultados dialogam com outras teorias da área?
A abordagem multidisciplinar enriqueceu muito a discussão sobre 'Pressupostos MGTOW'.
Alguém sabe se há meta-análises sobre 'Pressupostos MGTOW' que possam contextualizar esses achados?
Texto bem escrito sobre geral, mas a introdução poderia ser mais objetiva sobre os objetivos.
Ótimo artigo, mas você não deixou claro o propósito do mgtow.
MGTOW é estilo de vida e não uma filosofia.
Bruna, desculpa, mas talvez não tenha ficado mesmo evidente. Até mesmo porque esse artigo foi escrito levando em conta que o leitor já teria alguma familiaridade com o movimento. Mas o propósito da MGTOW no âmbito individual é principalmente conscientizar o homem da realidade misândrica em que ele vive e fornecer ferramentas para que ele possa desenvolver todas as suas potencialidades mesmo estando nesse ambiente hostil. Na esfera social, a MGTOW tem um propósito tripartido, a saber: (1) Estabelecimento dos homens como a melhor opção de líderes da sociedade (desde a família até o Estado), (2) Retorno dos indivíduos aos valores e papéis tradicionais de masculinidade e femininidade; (3) Redução ao mínimo do poder estatal sobre a vida e propriedade dos indivíduos (esse é o único ponto em que ainda não há consenso no movimento; existem MGTOW que variam desde anarcocapitalistas e minarquistas, sendo estes a maioria, até estatistas de extrema esquerda e anarcocomunistas, sendo esses uma minoria diminuta).
Cesar, infelizmente não sei o motivo de os adeptos da MGTOW geralmente não gostarem de chamá-la de filosofia, mas sim de estilo de vida. No final, acredito que isso não faça tanta diferença para a prática das recomendações MGTOW. Às vezes me parece que essa resistência de chamar a MGTOW de filosofia ou ideologia possa ser um esforço para que ela não seja alvo de grandes questionamentos ou para que ela talvez não seja tratada com pouca seriedade, correndo o risco de ser encarada apenas como "mais uma filosofia", e seja tratada de qualquer maneira. Seja lá o que for, chamar ou não de estilo de vida não me parece um problema e também não isenta o movimento de ser estudado, avaliado, criticado, modificado ou abandonado. No final, o que importa é se ele realmente é um reflexo da realidade e se traz benefícios para os indivíduos e a sociedade em geral.
Seu artigo foi muito bem escrito, mas está incompleto, melhora no próximo.
Rodolfo, obrigado pelo feedback.
Como disse no artigo: [...] Não foi objetivo desta análise apresentar exaustivamente todos os tópicos que podem ser discutidos dentro do paradigma MGTOW [...], e também, [...] com toda a certeza, não sou inteligente o bastante para escrever um tratado de mil páginas para explicar o arcabouço teórico que precisamos. Entretanto, o que posso oferecer é uma análise, nem tão complexa, nem tão simplificada, dos pressupostos que servem de base para as ideologias masculinistas [...].
Mesmo assim, logo mais trarei mais textos expandindo e adicionando assuntos referentes ao movimento MGTOW.
Gostei muito da explicação . Grata
Deixe seu comentário